ESTUDO GERAL DA MÚSICA é um conceito desenvolvido por ‘Wesley Lély Caesar’ ainda na década de 1970 que resultou duas décadas depois num website que ficou no ar por alguns anos até que foi retirado, mas, aqui é parcialmente reproduzido. É importante lembrar que o interesse por tais temas e estudos encontra-se infelizmente apenas no mundo acadêmico, embora esse tipo de estudo desenvolvido por Wesley tenha um conteúdo de absoluta relevância ao mundo da música, e, que em tese deveria despertar interesse principalmente dos profissionais da música, contudo, a manifestação de interesse por temas tão importantes, praticamente inexiste, motivo pelo qual saiu do ar há alguns anos, mas, agora está novamente disponível em forma de Curso – SAIBA MAIS acessando a página de CURSOS ON-LINE…

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Apresentação: Estudos Gerais da Música

(Os “Fazeres Sonoros” Humanos)

        Este website trata de uma introdução ao mundo da Música estudado e analisado em todos os seus aspectos, ao mesmo tempo sugere a leitura da obra: “MÚSICA (CULTURA e SOCIEDADE )“ – Introdução ao Estudo Geral da Música (veja nos quadros abaixo). Mas, podemos perguntar: Qual a importância de um ESTUDO GERAL DA MÚSICA? Bem, teríamos aqui uma lista enorme de proposições, que justificaria tal estudo. Poderíamos começar estabelecendo uma série de correlações da Música com a vida humana, mas, creio ser mais adequado adquirirmos esta visão ao longo das investigativas…

       Na verdade, o intuito primeiro desde a década de 1970 quando me propus à desenvolver tal estudo, era tentar entender os “Fazeres Sonoros Humanos”, que seria um trabalho muito mais amplo, pois, ele é por excelência o objeto de estudo da Musicologia e da Etnomusicologia. Tais ciências de estudo foram formalizadas somente no século 20, e a Etnomusicologia, embora

existisse de maneira informal há muito tempo, só foi oficializada à partir da década de 1960, portanto, muito recente. Então, a expressão música que no ocidente passou à denominar-se como talquando nos referimos à ela estamos nos referindo apenas aos fazeres sonoros ocidentais e mesmo assim de certo período histórico para cá, uma vez que esta expressão surgiu da mitologia grega antiga advindo do vocábulo “musa”, pois, nos primórdios da história do ocidente nos inícios da era medieval, um dos principais precursores da cultura ocidental  que foi Sto. Agostinho(354-430) desenvolveu vários estudos em torno do som e do tempo, se referia apenas, ao ritmo, ao tempo, ao melos (melodia), enfim, não parecia haver os conceitos que surgiram mais tarde que construiria aquilo que mais tarde passamos à entender como música, principalmente à partir dos sistema modal medieval com Sto. Ambrosio (340-397) e depois o Papa Gregório (540-604), cujo sistema ainda permeia a música popular em geral.

       Para alguns autores, basicamente musicólogos, o que desenvolveu-se no ocidente foi uma “teoria de afetos” que ganhou o epíteto de música,a qual não seria necessariamente representativa dos fazeres sonoros de outras culturas humanas ou civilizações, à saber, aliás, este é um dos pontos chaves dentro do estudo que aqui proponho. Outra idéia próxima da “teoria de afetos” ou “teoria dos afetos” é o conceito de que a música do ocidente pode ser interpretada como uma “Matemática dos Afetos” idéia defendida pelo musicólogo brasileiro Flo Menezes (http://www.flomenezes.mus.br).

      Então, o que eu havia percebido na década de 1970 quando iniciei minha trajetória investigativa dos assuntos gerais da música, é que uma coisa é executar música e outra coisa é entendê-la, pois, percebera que mesmo entre os músicos profissionais haviam muitas questões mal compreendidas ou não debatidas devidamente. Em relação ao público a meu descrédito era ainda maior, porque, a música que era genuína e espontânea das culturas havia sido “seqüestrada” pela indústria da cultura e sofrido uma apropriação indébita, cujo fato não era nem de longe percebido pelas massas, uma vez que esta havia sido constituída pelo mesmo fato. 

      Um trabalho tão abrangente, verdadeiramente “monumental”, como os ESTUDOS GERAIS DA MÚSICA,

o qual proponho, a priori não pode definir um campo específico de estudo, ao contrário, recorremos à vários temas e campos de investigação, como algo multidisciplinar, ou “transdisciplinar”- para usarmos a noção pedagógica do filósofo, sociólogo e epistemólogo Edgar Morin, o qual , entre outras coisas, considera a incerteza e as contradições como parte da vida e da condição humana. Morin, em suas obras, demonstra acreditar na ética e na solidariedade como meio para a união dos seres e dos saberes, idéias e pensamentos os quais subscrevo…

      A Música quer seja no âmbito do ensino, ou quando tratada pela filosofia, é naturalmente multidisciplinar, ainda que não queiramos. È fato também, que desde o mero ouvinte musical até o mais nobre entendedor, passando pelos seus criadores e intérpretes, todos, podem passar suas vidas ignorando aspectos “fundamentais”, verdadeiras “essencialidades”… Muitos dentre nós, acreditam entendê-la (a Música) de fato, em sua essência, contudo, sem dar conta dos nossos “erros mentais” e “ilusões” os quais somos inevitavelmente “vitimas”, então, como “presas da nossa consciência” não podemos compreendê-la de fato, porque isto envolve um profundo estudo, o qual não se encontra disponível, antes ainda, sequer é cogitado, por isso aqui temos esta audaciosa proposta…

O que é Música?

       Em princípio, não estamos aqui para defendermos uma tese, propondo uma “Teoria Central e Geral…”, mas, apenas tomarmos e retomarmos tópicos de estudos que certamente nos ajudarão na tentativa de compreender seus aspectos gerais, principalmente tendo em vista que a ‘acepção tradicional’ (corrente) da Música, já não mais se sustenta há tempos. Portanto, um ponto específico de partida para as considerações gerais dela, é obscuro na medida em que não temos um ‘principio único’ (uma‘teoria geral’ única que dê conta de responder à todas as questões) que nos permita partir de ‘algum lugar’ com segurança em nossas ‘interpretações diversas’, a despeito das nossas “investigações” gerais sobre ela. Há, todavia, a possibilidade de caracterizarmos formas interpretativas de analise que nos permita criar elos com outras teorias, “amarrando” assim uma teoria geral, entretanto, por enquanto o que teremos é uma “lista” de ‘teorias’ ligadas direta ou indiretamente à Musica, que podem aparentar contraposição ou sobreposição, mas, que poderemos também identificar aspectos que indiquem convergências, o que poderia quem sabe, resultar em uma tal ‘teoria geral da Música’ …

     Uma primeira pergunta pode ser um bom começo; o que é a Música? Tal indagação serviu de tema e título para obras diversas, como, por exemplo, no Brasil, o livro de J.J. de Moraes…

     A ‘Música’ em sua transmissão mais simples pode nos levar à ”mundos abstratos”, como um rito que nos leva à experiência da ‘Magia’, uma experiência ‘Metafísica’, algo que não se traduz em ‘palavras’, algo ‘indizível’, mas, ao mesmo tempo, e contraditoriamente nos conduz a um ‘dizer’, faz-nos identificá-la com um ‘etos’ de um grupo humano, ou de uma sociedade…

O ‘etos’ que designa um pensar, um agir, um existir humano…

    Desde os autores mais longínquos, podemos encontrar referências dos mais remotos textos sobre Música, ou achados arqueológicos que sugerem ser ferramentas que indicam possíveis praticas de “fazeres sonoros” das mais distantes culturas humanas. Em 1995, por exemplo, foi encontrado nos Alpes da Escandinávia um fêmur de urso cravado com buracos aparentemente muito bem calculados, o que supõem-se ser uma “flauta primitiva”, a datação do objeto foi estimada entre 50 e 80 mil anos…

    Quer seja pela sua referência como algo ‘sagrado’ ou pelo simples interesse por ela (a Música) como tema, ambos podem ser encontrados desde os primórdios da escrita, tanto, nos mais antigos escritos de civilizações extintas, como nas tais leituras sagradas, até chegarmos aos filósofos da Grécia pré-cristã, depois os medievais, mais tarde, os modernos filósofos e nos diversos setores científicos tanto das chamadas ciências exatas, basicamente Física e Matemática, como principalmente alguns setores dentre as ciências humanas; História da Música, Musicologia,

Musicoterapia, Etnomusicologia, Neuromusicologia, Sociologia da Música, Psicofísica da Música, etc, etc… são áreas de estudo que interligam ciências…

    Alguns como, Joseph Campbell, um dos mais famosos mitólogos do século 20, a definiu (a Música) em uma de suas passagens narrativas, como sendo a própria “mitologia”. Outros a entendem como algo ligado ao‘Transe’ podemos dizer, o êxtase em si, ou “um caminho para se alcançar a plenitude”…

    Na África, músicos gimi invocam e ‘tornam-se’ a própria floresta exuberante a partir do som que produzem em suas gigantes “flautas” de ‘bambu’, acreditam eles transformarem-se na própria floresta… (A Musica do Homem-Y. Menuhin).

     Em filmes como “Os Camelos também choram” (material cinematográfico de referência dentro da Etnomusicologia) podemos observar o quanto os caracteres dos múltiplos ‘aspectos sonoros’ deixam em aberto um assunto ainda não muito bem discernido pelas ciências, muito embora, os fenômenos físicos produzidos pela interação vibração/substância sejam comprovados… Por exemplo, a Psicofísica da Música tenta entender questões que interligam a Física do Som com os processos psicológicos da audição musical, ainda assim não temos um material de estudos (seja científico ou equivalente) que nos dê maiores convicções à cerca dos aspectos implícitos nesta película cinematográfica: “Os camelos também choram”… 

     Certos estudiosos entendem a Música como “Linguagem”, outros acentuam que as origens e o desenvolvimento dela estariam entrelaçados, e a própria ‘Linguagem’ (a fala), teria sido antecedida pelo trato vocal animal que forneceu as origens da própria música. Em particular quem “advoga” este princípio é a Biomusicologia, uma nova ciência surgida ainda na década 1990, que reúne cientistas em áreas diversas do conhecimento em torno da música…

     Cientistas cognitivos, assim como Steven Pinker (professor de psicologia e diretor do centro de neurociência cognitiva do M.I.T. – EUA) a entende como uma criação humana que serve apenas para deleite, uma espécie de “cheesecake” para a mente, acredita ele que a Música tomaria emprestado os recursos das áreas cérebrais que organizam a Linguagem…

     A Física e a Matemática no Ocidente, desde Pitágoras, praticamente organizaram os sistemas musicais, orientaram em grande medida os caminhos de um “fazer musical”, somado a um ethos “religioso” do medievo, resultaram na própria Música

     Pensadores do século 19 como Max Weber e Nietzsche, entre outros, também se preocuparam com questões tanto de ordem social da música, bem como, com o caráter da formação do sistema musical, em particular Weber…

     No século 20, alguns filósofos (como T. Adorno) preocuparam-se com as questões sociológicas da música, etc…etc…etc…

     Veja os esclarecimentos sobre os Quadros Sinópticos que criei para demonstrar o grande conteúdo de relações que a Música possue com a vida humana, cujas observações, pesquisa e desenvolvimento de estudos, tiveram início em minha vida ainda na década de

Apresentação dos ”Quadros Sinópticos 1,2 e 3”

     “Os Quadros Sinópticos da MÚSICA que aqui apresento são meramente ilustrativos das amplas relações que ela pode ter com os vários setores de toda a vida humana”. Os tópicos estão melhor explanados no livro “MÚSICA (CULTURA E SOCIEDADE)” – INTRODUÇÃO AO ESTUDO GERAL DA MÚSICA –

     Conforme já havia acentuado, a idéia é correlacionar tudo aquilo que a MÚSICA envolve ou está envolvida.

     O objetivo é tentar abranger todas as suas dimensões possíveis, tentar ‘conhecer’ os seus laços, suas imbricações na busca de suas “origens”. Tentar ‘compreender’ o quanto, aquilo, ao que chamamos de “Música”, pode diferir drástica e radicalmente de cultura para cultura humana, a tal ponto que se quer poderíamos estabelecer qualquer analogia, principalmente se considerarmos as “culturas ‘ditas’ primitivas” em contraposição às culturas conhecidas como modernas, ou, ao menos “pseudo” modernas…

     Penso que uma lista de aspectos deve ser previamente considerada. Pois, um princípio “estratégico” é necessário para os Estudos Gerais da Música

     Então, o ideal seria começarmos por uma “pretensa” ontogênese, dos “fazeres sonoros humanos”, sem dúvida um imenso desafio… Pois, já elucidamos noutro tópico que aquilo que no Ocidente chamamos de música corresponde no máximo, aos últimos 1500 anos de história, que é uma pequena parte da “música” da humanidade… Tudo isso sem considerarmos que o que convencionou-se ser a história da música ocidental corresponde à uma parte talvez pequena do que deva ser ela de fato.

     A existência de exemplos de ‘fazeres sonoros’ de culturas primitivas ainda vivas espalhadas pelo planeta consideradas por vezes, resquícios remanescentes dos ‘fazeres sonoros’ de culturas humanas passadas, não é suficiente para uma análise, considerando que a ‘tradição da música’ entre os povos, é via de regra, oral, o que dificulta a nossa convicção sobre a preservação fiel do material musical. Caso revivêssemos e penetrássemos em “fazeres sonoros” já extintos, certamente os entenderíamos segundo os nossos conceitos modernos (dentro dos conceitos da  historiografia isto seria um anacronismo). Não teríamos tão pouco, como nos “certificarmos” com absoluta certeza de que todos os diversos “fazeres sonoros humanos” formam um conjunto homogêneo e “único”, isto é, que todas as culturas humanas formam de fato uma só cultura, como nos fazem acreditar certos setores organizadores da vida social “modernos”, em particular os tecnocratas modernos, aqueles que se colocam como “xamãs” da modernidade.

    Não só na literatura da Antropologia, bem como, se observarmos as diversas culturas humanas à nossa volta, notaremos que somos caracterizados pela diversidade… Então, os ‘fazeres sonoros’ podem diferir em diversos aspectos. O que houve, sim, foi uma possível convergência desencadeada, talvez ainda, na ‘era axial’ que acabou por definir um direcionamento através de seu amplo conteúdo mitológico. ‘Alinhando’ assim em alguma medida ‘grandes grupos humanos’ que aproximaram-se por razões diversas, aliás este tema nos levaria a uma obra à parte.

    É fato que o racionalismo grego, contribuiu definitivamente para um “pensar musical” no Ocidente, contribuindo assim, por se constituir em seu próprio “fazer musical” ou “fazeres musicais”…

    Há, no entanto, uma noção, ainda que subliminar, de que nós humanos “modernos” somos de fato os representantes legítimos de uma suposta “evolução” musical humana, a ponta da humanidade.

    Tal convicção torna-se ainda mais suspeita principalmente se considerarmos, outro dado necessário à compreensão da diversa música humana, que é “conhecer” a essência do seu protagonista, o ‘Homem’.

     Mas quem é o “Homem”?… Questão fundamental indagada pela Antropologia. O que estabelece uma fronteira entre aquilo que é o homem e o que é apenas um simples primata, ou seja, lá o que for…? Onde termina o “pré-humano”, quando começa o humano, para podermos então distinguir os eventuais ‘fazeres sonoros’ dos pré-humanos, dos fazeres dos humanos, interpretando assim a música do homem? Pois, aqui temos problemas conceituais graves, porque, nos perdemos em nossos conceitos quer religiosos ou científicos, quando advogamos teorias criacionistas e/ou evolucionistas, pois sabemos que as duas têm problemas em suas eficácias, embora as teorias do evolucionismo surjam aos nossos olhos “modernos” como as mais plausíveis.  

    Poderíamos estabelecer a ‘mitologia’ como fronteira que separa o homem de suas ancestralidades, ou ainda poderíamos identificar tal fronteira com o surgimento das praticas ‘comerciais’ entre os humanos (lembrando que o ‘comércio’ não deixa de ser também uma forma, de um gesto, que traduz um mito ou uma representação que era antes um acerto de relações) que foram certamente precedidas pelos processos das “trocas simbólicas” que bem sabemos não é exclusiva dos humanos?… Em outra via, acreditar que o Homem começa quando este torna-se “civilizado”, é uma noção precária, ingênua e desprovida do caráter mais essencial dos fatos que é o ‘processo constante de mutação’ que não necessariamente torna evidente qualquer “evolução”em sentido retilíneo, ou seja, não comprova que o conceito que tenta estabelecer uma linha de tempo para os acontecimentos, seja verdadeiro, pois, não há qualquer garantia que os caminhos espontâneos humanos sejam, de fato, inexoráveis, contudo, ao contrário, torna-se óbvio a sua inexorabilidade quando ajustados para cursos determinados…

     Existem muitas teorias sobre o tema que estamos tocando, todas são crenças, mais, ou menos, prováveis, teorias que circundam uma idéia de evolução, mas não são capazes de consolidar convicções satisfatórias… São temas em debate entre ‘evolucionistas’ e ‘criacionistas’…

     Para complicar nossas indagações, estamos assistindo no início do século 21, segundo a própria ciência, ao nascimento do Ciborgue (o ‘Mito de Golém’, ou, uma alusão ao ‘Super-Homem’ de Nietzschie…) um híbrido de homo sapiens com máquina, o homo robôs, do qual não sabemos ainda se seguirá a “tradição” do “fazer musical humano” o que coloca outra questão. A expectativa científica é que ele (o Ciborgue) venha a ser potencialmente superior

aos humanos em suas capacidades gerais, mas, e suas capacidades musicais, serão “superiores” ou iguais aos dos humanos, ou não existirão, mais ainda, a música do Ciborgue terá significados similares à “música” dos humanos?. Dependerá então, se ele (o Ciborgue) será programado para atender à tais questões. Qualquer pré-analise é precipitada…

     Sobre o Homem, aquele ainda puramente humano, muitas teorias indiretamente (desde as mitologias, que envolvem todo o conjunto de crenças existentes ou extintas, até as ciências modernas, que envolve todo o conjunto científico, desde a biologia até as ciências humanas, especialmente a Antropologia) o cercaram como tema, contribuindo inclusive para construir “uma” História do Homem ou “Histórias dos Homens” que resultaria na “História da Humanidade”.

    Todo o conjunto de dados que tenta explicar as “histórias dos homens” antigos ou recentes, nunca está isento da interpretação e da conjectura… As teorias modernas tentam justificar o próprio conceito de civilização, distinguindo um homem civilizado de um não civilizado. As mitologias que geram espécies de ‘códigos culturais’ em princípio homogeneizam o grupo, “estabelecem” um “ethos” e tentam basicamente explicar a existência…

   Para tentar interpretar os princípios dos “fazeres sonoros humanos”, nas suas múltiplas possibilidades e diversidades, então, não poderíamos estar carregados de conceitos civilizadores, o que é um desafio…

   Outro aspecto fundamental é tomar o “pulso” musical, desde as noções mais ‘incipientes’ do Tempo e não sabemos se correspondiam ao que hoje o entendemos no Ocidente… E como podemos responder o que é o Tempo, elemento essencial para o fazer musical? Tal tema tão amplamente cogitado, desde as entre linhas das mitologias e das leituras consideradas sagradas da antiguidade, passando pelos povos axiais e principalmente, pelo racionalismo grego antigo quando disponta o Ocidente. No início da Idade Média, na obra de Sto. Agostinho, por exemplo, tal preocupação torna-se clara. O tema passa por muitos momentos da literatura dos mais diferentes povos, bem como, entre os filósofos (incluindo; teoristas, matemáticos, físicos e metafísicos) ocidentais mais antigos até aos mais modernos…

     Saber se o Tempo existe de fato, ou é apenas uma interpretação da nossa consciência, se ele é abstrato, enfim, isso nos remete àquilo que chamamos de, as nossas capacidades intelectivas, perceptivas, sensoriais… Isto nos leva à questão do funcionamento do cérebro e da mente, mas, o que é a ‘mente humana’, e o quanto ela difere dos pré-humanos, uma vez que as ‘comunicações sonoras’ não são exclusivas dos humanos?

     Em geral a maior parte dos seres vivos dependem da audição (ou algo equivalente), para que a comunicação sonora exista, então, caberia concebermos uma ‘ontogenia dos sentidos’, isto é, como os sentidos surgiram e se desenvolveram primeiramente nos seres vivos, ou ainda, se nos elementos “químicos” que precederam o surgimento da vida orgânica, estavam (ou estão) dotados de tais características, etc?. Este é um tema que serve de indagação dentro da ‘Ontologia’ (ou da ‘Metafísica’, ou mesmo da ‘Fenomenologia’), na Biologia, ciência apenas técnica, meramente operacional, este tema só cabe do ponto de vista mecânico-objetivo, seus atributos subjetivos são deixados para a Filosofia… Enfim, a audição é o ‘sentido’ humano sine qua non para que a música possa existir em nossas vidas, entretanto, sem audição também poderíamos sentí-la através da “vibração” ou do ‘tato’ que é mais um, entre os cinco principais sentidos, porém, a música através da audição é “única” uma vez que este processo é quem nos permite a intelecção do ato de ouvir. Portanto, compreender os ‘sentidos’ é fundamental para entendermos os demais aspectos…

     Do ponto de vista da própria cultura humana, não sabemos ao certo sobre o quanto daquilo que carregamos geneticamente é essencialmente biológico, e o que já foi pratica cultural e possivelmente tornou-se biológico… os estudos diretos ou indiretos são meramente especulatórios da ‘ontogenia’ da mente humana.Outros estudos nas áreas da Neurociência podem nos ajudar, porém, os estudos que pretendem compreender esta ontogênese da mente humana, são sujeitos a conjecturas… Ter qualquer convicção sobre estas questões parece precipitado, a menos que qualquer uma das “novas” ciências (desde a Neuromusicologia até à Física Quântica) nos surpreendam trazendo respostas inéditas e convincentes… Não se sabe ao certo quando o homem adquiriu a tal consciência “moderna”, isto é, quando tornou-se humano. Existem apenas indícios e teorias em torno de um conceito, que formamos, pretendendo distinguir-nos dos outros primatas…

     Os amplos relatos que podemos encontrar não só na literatura da Antropologia, bem como, nas mais diversas literaturas, quer seja na “história” ou na mitologia de povos antigos, ou mesmo, de viajantes, como, por exemplo, André Thevet e Jean de Lery, embora com pontos divergentes, ambos no século XVI percorreram as terras do Brasil em contato com os nativos (indígenas), atestando “fazeres sonoros” e aspectos da cultura, obviamente distintas daquelas trazidas nos “fazeres sonoros” (na Música) dos colonizadores europeus… Thevet e Léry contribuíram assim para aquilo que muito mais tarde veio a ser a Etnologia, por conseguinte, contribuíram indiretamente para a Etnomusicologia, assim como outros viajantes Europeus que conheceram outros povos em outros continentes, atestando “intencionalmente” ou não, por mero acaso, a diversidade dos “fazeres sonoros humanos”…

     Desde a infância eu percebera que o primeiro sentido da música era o Ritmo, e que os sons podiam (podem) nos levar ao transe, porém, tudo isso era intuitivo, não tinha como processar conscientemente, racionalmente, tais conceitos… A Música, para mim, até então, só tinha o sentido lúdico, servia mais especificamente à dança. Pois, esta relação (a música e a dança) é de fato a mais essencial, talvez a primogênita… Como segundo elemento da música, eu entendia ser a Melodia (que é de fato a música em si, isto é, o elemento o qual a identificamos). Eu não pensava ainda na Harmonia, porque não tinha à minha volta alguém que me fornecesse tal conceito. No entanto, sem querer, eu intuira acertadamente, pois, de fato, a música na tradicional teoria é estudada considerando a constituição de três elementos principais; o Ritmo, a Melodia e a Harmonia (além destes ainda considera-se o Timbre que é uma das propriedades do som, a Tessitura que é a extensão do registro sonoro em questão, e a Forma que é o padrão em que se enquadra a composição musical)… Contudo, isto só vale para os últimos três séculos porque ao menos até o período Barroco (1600-1750) a música no ocidente se baseava na planificação da composição polifônica fundada na ciência do contraponto, não havia, portanto, a harmonia como ciência de concatenação de acordes, uma hierarquia construída e constituída para servir à fins específicos… à saber. Mas, a Dança era muito importante pra mim, sem que eu soubesse conscientemente, ela (a dança) é principalmente uma espécie de ritual prévio para o acasalamento. A música que se produz para a dança, funde-se como num processo mágico, e ao mesmo tempo, cósmico… A energia que daí é produzida é a própria energia da vida. Eu sentia isso quando criança, mas, não entendia, porque seria necessário crescer, aprender, e muito exercício de introspecção, de reflexão sobre si e os outros, e principalmente ler muitos autores… Aprendi a “cantar” acompanhando-me ao violão logo aos 8 anos (em 1963), creio que isso tenha ajudado-me, à prosseguir na música, e mais tarde interessado-me por ela, com outro “olhar”.

     Não é preciso muita pesquisa, para imaginar que o instrumento “musical” humano mais antigo é a voz. De fato, a comunicação entre “pré-humanos” e depois entre os humanos se processou através de sons vocais e gestos, os sons percussivos e de instrumentos de sopro devem ter surgido a seguir, e depois então as demais naturezas de instrumentos musicais (cordas, etc)…

    Conforme comenta Yehudi Menuhin em sua obra “A Música do Homem” (Ed. Martins Fontes): ”Há provas Antropológicas de que a música surgiu antes da fala. Os ligamentos que há entre os músculos e os ossos deixam traços no arcabouço esqueletal que nos dizem muito sobre como esses músculos eram usados… Restos de esqueletos humanos mostram indícios de que o uso da voz para a produção da fala remonta a cerca de oitenta mil anos, sugerem, ao mesmo tempo, que o canto tenha aparecido, talvez, meio milhão de anos antes…”.

     NOTA: Sobre as Origens da música veja no Quadro Sinóptico 3, a Biomusicologia – consulte o capítulo III do livro “Música (Cultura e Sociedade)”-

     Tais noções acerca da música concebi ainda na década de 1970 em uma perspectiva “Holística”, em caráter experimental. Eu fazia leituras de temas variados com diversos autores, porém, um dos vários livros que influenciou-me ainda em finais dos anos 70, foi; “Para compreender as Musicas de Hoje” de Henry Barraud (Ed. Perspectiva).

    Na época, desenhei um esboço de um Mapa- Organograma para que eu pudesse ter um ponto de partida, porém, na década de 1980 não pude dedicar-me integralmente à pesquisa, só retornei à ela na década de 1990 , quando redesenhei o mapa-organograma o qual concebera anteriormente, redirecionando assim a minha pesquisa. Pois, na década de 1970, eu havia dedicado-me ao estudo do Violão Clássico, o que na época, me permitiu o acesso aos “grandes compositores ocidentais”, por conseguinte, o acesso aos conceitos que davam base às obras musicais em suas estruturas e formas, de acordo com o Sistema Musical, etc…

    È óbvio que neste período procurei cercar-me de pessoas que tinham a mesma afinidade em relação à Música

Erudita, a qual eu havia despertado, pois, até então eu só tocava Rock e Pop (eu havia abandonado uma banda de Rock  para ingressar no tal mundo da erudição)… Procurei concentrar-me em diálogos em torno da História da Música, das obras dos autores e por outras tantas questões da Música, na medida em que desenvolvia este processo, os meus interesses sobre ela se ampliavam.

    A Filosofia foi fundamental como apoio. Muitas questões surgiam, por exemplo, uma daquelas que mais me intrigava era tentar compreender qual era o peso (se é que havia algum) da formação social no surgimento das formas musicais, isto é, em que medida, estavam relacionados, a estratificação social com o fazer musical em suas perspectivas próprias?… E o gosto musical tinha alguma importância nesse processo? Hoje, a Psicofísica da Musica tenta explicar o fenômeno que relaciona gosto musical com processos físicos e psíquicos, naquela época este assunto era praticamente inacessível, para mim… Mas, a música de fato tinha, isto é, tem de ser gostada, ou apenas praticada como algo sagrado, ou como transe, etc…?.

    Eram muitas questões que me inquietavam, e algumas informações eram confusas. Um curso de nível acadêmico certamente esclarecer-me-ia algumas dúvidas, mas, dificilmente teria uma orientação para um estudo holístico…

    A literatura em língua portuguesa sobre música, sempre foi precária. Eu sabia que o Brasil como um país de formação colonial, não poderia ser “matriz” provedora de suas próprias idéias, com total autonomia e independência, pois, quem em boa medida, organizava (e organiza) as nossas convicções e o mundo moderno em geral era (e, é) uma tradição mais ou menos recente de um lado inglesa (cujas prerrogativas se consolidaram por volta do século 17 e principalmente o século 18 com a tal Revolução Industrial e as teorias Econômicas modernas) representada em nossos tempos pelos EUA, e de outro lado “estávamos” em certa medida, sustentados nos ideais da Revolução Francesa de 1789… Então tínhamos que ir buscar informações no exterior em língua inglesa, eventualmente em espanhol, e francês, etc…

    Até então o ensino dessas línguas (francês e inglês) era obrigatório no currículo escolar, e isso permitiu que a minha geração tivesse acesso a autores destes idiomas. Ainda assim, a dificuldade era encontrar pessoas e informações que fossem esclarecedoras das minhas dúvidas…  Não havia, nem por hipótese remota, professores de “Estudos Gerais da Música”, tal como me proponho aqui, aliás, até ao momento em que escrevo este texto ainda não há professores que se proponham à trabalhos abertos como este. Pois, o mundo acadêmico é quem poderá orientar melhor, no entanto, sabemos que um estudo amplo e sem paradeiro pode fugir aos objetivos conclusivos dos cursos em geral… O caso do falecido musicólogo brasileiro Ricardo Rizek, que cruzava vàrias disciplinas com a Música, é sem dúvida uma fonte de inspiração e estímulo para buscarmos nossos caminhos… Quero acreditar que existam professores (infelizmente desconhecidos) que devam estar, quer dentro ou fora, do mundo acadêmico tentando desenvolver um trabalho semelhante a este que apresento… A visão “holística” (a visão do todo) que ao agregar aspectos que se encontram aparentemente isolados, pode não só mudar a nossa óptica, fazendo com que enxerguemos o mundo de maneira caleidoscópica, como também nos oferecer a possibilidade de mudar a nossa vida pratica, nossas relações com o mundo visível, sensível, crível, etc, alterando o próprio formato de sobrevivência, isto é, trazê-lo para uma realidade mais orgânica e consciente dos nossos possíveis equívocos de interpretação dos elementos constitutivos da vida em geral… Por ironia, apesar de vivermos um mundo de ensino orientado para a especialização, ao mesmo tempo, novas ciências aparentemente distintas aparecem e se encontram o que tem gerado um tipo de simbiose, que aponta para cruzamentos cada vez mais comuns, promovendo assim uma simulada abertura das idéias, alterando o comportamento, o pensamento e o próprio mundo científico…

     Na época em que comecei este estudo (anos 70) eu tinha uma visão crítica geral sobre o establishment e principalmente sobre o que era (é) a civilização ocidental a qual eu nascera em meio à um conturbado século 20 , por “azar”, numa das extensões territoriais das colonizações européias das últimas invasões bárbaras do século 15…  Eu tivera esta consciência por conta já da influência da contracultura… Então, eu pensava a cerca das pautas que relacionei acima, compelido a mergulhar num estudo que me trouxesse alguns esclarecimentos.

   Conforme já comentei, fiz o primeiro esboço do Mapa-Organograma por volta de 1975, porém, ainda não tinha a compreensão da complexidade que envolvia uma visão “Holística real da Música”. Naquele período investi numa pesquisa sobre assuntos diversos, mas é fato que a História da Música, a Musicologia, de um lado, e principalmente a Filosofia e a Metafísica, de outro, já me atraiam como temas de estudo.

    A partir de 1981 quando comecei a ensinar Guitarra e Violão surgiram muitas outras questões principalmente na ordem dos processos Pedagógicos. Os meus interesses pelas questões Cognitivas envolvidas no Ensino-Aprendizagem, e por certos ramos científicos, como; a Neurociência e a Psicologia, afloraram-se. Então, dois aspectos devem ser considerados antes de seguirmos viajem e penetrarmos neste “infinito” mundo daquilo que chamamos de música:

    Primeiro aspecto, sugiro agregar como conceito básico ao plano de trabalho e ponto de partida, as diferenciações conceituais, entre; Som (freqüência vibratória), Fazer Sonoro (os sons produzidos pelas mais diversas culturas humanas através dos tempos em suas ‘acepções’ próprias) e Música (o fazer sonoro do ocidente que se desenvolveu com caracteristicas próprias). Pois, Música é Som, e, ao mesmo tempo, Fazer Sonoro, porém, nem todo ‘fazer sonoro’, poderá ser interpretado por nós ocidentais como Música. O Som corresponde à essência de todo e qualquer Fazer Sonoro e, por conseguinte, à própria Música

    Só para termos uma idéia, na Grécia pré-cristã os “fazeres sonoros” (que ainda não tinha o nome de’ Música’, pois, comentei anteriormente que é de lá, que vem o nome ‘musa’ relacionado à mitologia) já possuíam um sistema e uma teoria, porém, estavam orientados por uma teoria cosmológica, onde o Quadrivium (Música, Aritmética, Geometria e Astronomia) somado ao Trivium (Gramática, Retórica e Lógica ou Dialética), conhecidos como As Sete Artes Clássicas ou Liberais, constituíam a base do ‘saber’. De modo que a música do Ocidente, por mais que traga aspectos dos fazeres sonoros de outras culturas humanas é, por si, autônoma numa concepção específica própria…, pois, a sua criação não só dependeu da espontaneidade do povo, de uma criação involuntária e aleatória, mas, foi também e principalmente formada dentro de uma orientação racional, cujas bases, podem ser encontradas em um “ethos” o qual contribuiu para formalizar aspectos da teoria (da própria “Música”) na Grécia pré-cristã, e o período medieval desde Sto. Agostinho e a formação da Igreja Católica, passando por Sto. Ambrósio e Papa Gregório, como fundamentadores do grande sistema modal que deu os alicerces para a formação da tal música do Ocidente. Então, segundo alguns historiadores como, por exemplo, O. M. Carpeaux e J. M. Wisnick, teríamos o início de um suposto arco que “evoluiu” chegando ao seu ápice no Barroco e seguiu em declínio até fechar (esgotar-se) no meio do século 20, depois de ter passado por uma série de períodos, retornando ao pulso.

    Segundo aspecto, quando lidamos com estudos muito abertos, aumenta-se o risco à contradição ou à divergência… Os aspectos múltiplos podem divergir ou convergir, eventualmente se encontram e se dispersam, há, a necessidade da serenidade em percorrermos os caminhos, lembrando que os elementos que produzem a vida, são, em si, e por excelência, contraditórios, conforme já acentuamos no início deste texto quando citamos Edgar Morin…

     O importante neste estudo que proponho não é buscar um fim, mas, um meio, nos permitindo ao exercício de trilhar caminhos que percorram as várias idéias, e interpretações, das varias vertentes do conhecimento em torno da Música… Penso que há uma distância enorme entre aquele que já trilhou este caminho e aquele que nunca trilhou ou está por trilhá-lo. Tal experiência é insubstituível e irreversível, pois, o novo conhecimento nos fornece uma nova visão da Música… A intenção é contribuir para construirmos uma sólida ideia sobre o que de fato é a Música, qual é o seu real papel dentro da vida humana, entendendo assim definitivamente o seu grau de importância nas relações humanas…

     A “Música” (os fazeres sonoros humanos) no passado não era apenas mais uma das atividades humanas, mas, sim, a atividade quintessencial da humanidade, pois, para os antigos ela tinha sentido sagrado e cosmológico…

    Pelo fato de investigar várias abordagens, acerca do assunto, é que me senti compelido a tal tarefa, principalmente tendo em vista, conforme comentei, que no Ocidente houve de fato um diferencial que nos distingue de todas as outras culturas humanas, a um ponto, podemos dizer, crítico, cujo “Estudo” o qual aqui propronho, se torna absolutamente pertinente.

     É muito provável que a ‘cultura ocidental’ seja uma “invenção” com características próprias, oriundas de uma junta cultural humana específica. Creio que não temos como estar convictos, de que a ‘predominante cultura ocidental’ venha a ser a mais legítima representante da diversidade e complexidade humanas, principalmente no que se refere aos “fazeres sonoros humanos”… ainda que possamos ‘provar’ ser ela a portadora das caracteristicas essenciais humanas, que reúna todas as qualidades humanas em todas as suas extensões…, ainda que, tal ‘cultura’ com sua formação originada em vertentes ancestrais diversas, predecessoras dos processos ‘civilizatórios’ e ‘civilizadores’, os quais então deram origem a uma ‘trajetória’ humana e à uma resultante, de convívio humano, supostamente inevitáveis, independente das condições “históricas”… Em poucas palavras, podemos perguntar: “O que poderá nos deixar seguros de que os ‘fazeres sonoros’ do Ocidente, em toda a sua reconhecida ‘diversidade’, são aqueles que realmente representam a ‘síntese’ de todos os ‘fazeres sonoros humanos’, mais ainda, representam a ‘evolução’ musical humana”, lembrando que o conceito de evolução é interpretativo e poderá não existir entre outras civilizações ou meros grupos humanos primitivos ou mesmo ainda existentes?

     Durante três décadas em períodos diferentes e alternados, investi em várias frentes de estudo, realizando mais de uma investida, por vezes para o mesmo assunto, então, para os meus estudos na área de História da Música

Ocidental, como segundo ciclo de trabalho, durante alguns anos já na década de 2000, contei com a orientação da amiga e mestra nesta disciplina, Ana Maria Vieira Drummond (professora da Escola Souza Lima em São Paulo), bem como, para uma introdução em Antropologia, necessária à compreensão mais abrangente sobre as questões gerais do “Homem”, contei com dicas bibliográficas em caráter absolutamente informal, do amigo e mestre em Sociologia e doutor em Antropologia, Heitor Frugóli Jr. (especialista em Antropologia Urbana- USP) que inclusive por ser orientador de tese dentro de uma perspectiva acadêmica voltada para a especialização, no entanto, pacienciosa e gentilmente, em encontros sempre prazerosos, se predispôs a ouvir minhas indagações (impertinentes e de cunho holístico) sobre as questões do Homem e da vida em comunidade humana, ou seja, sobre as culturas humanas… portanto, qualquer opinião emitida por mim sobre questões intrínsecas à estas disciplinas são de minha responsabilidade… Nas demais áreas de estudo (ver quadros sinópticos) me mantive autodidata, porém, acessando fontes, as melhores possíveis, dos grandes autores, dos grandes textos, pois, o critério na busca dessas fontes é fundamental…

                   Sobre o Quadro Sinóptico1 (O SOM: Freqüência Vibratória )

     Com já enfatizei, no decorrer dos meus estudos adquiri um “conceito” do entrelaçamento da Música com os demais setores da vida humana. Então, pude compreender que certas relações não se davam exatamente como organizei o primeiro esboço. Por isso relacionei o segundo e terceiro Mapas-Sinópticos a este primeiro. Portanto, o

Quadro Sinóptico 1 tenta relacionar aspectos que partem da Vibração como fonte provedora, uma vez que esta é a única informação mais essencial que temos. Entendemos a Vibração dentro de um processo, o qual envolve Freqüências… que podem existir em estágios, ou estados, ou simplesmente planos diferentes, ou seja, em forma de matéria escura do universo, Luz, Cor e Som, à saber…

   Então, este último (o Som) é o nosso objeto de estudo… O entendemos em uma perspectiva específica, isto é, atribuímos a ele a existência de quatro propriedades: a Altura (que se relaciona com os Intervalos, ou seja, a

Escala musical, e, por conseguinte, a Harmonia), a Duração (que se relaciona com o Ritmo, isto é, com os valores de tempo das notas musicais, ou seja, tais valores variáveis formam o discurso que dá base a toda uma estrutura musical), a Intensidade (que se relaciona com a interpretação da emissão do Som, a força empregada que forma a sua dinâmica) e o Timbre (um atributo um tanto abstrato que se refere à cor do som, ao mesmo tempo, dando um caráter físico, na perspectiva do fenômeno da série harmônica, ao que se atribui a gama timbrística dos instrumentos musicais em geral – O estudo dos instrumentos musicais, suas classificações etc, ganhou o nome de Organologia – ver Exposição sobre as relações internas no Quadro Sinóptico 3: “A Música correlacionada às várias Ciências”).

Então, estas quatro propriedades delineiam todo o processo o qual nós Ocidentais “modernos” chamamos de Música…

                                       Sobre o Quadro Sinóptico 2 :

                                          “Aspectos Históricos da Música Ocidental”

    Este assunto “Aspectos Históricos da Música Ocidental” é melhor abordado no capítulo XI do livro “Música (Cultura e Sociedade), aqui temos apenas uma síntese, no Quadro Sinóptico 2 que é uma sinopse da História da Música Ocidental, cuja interpretação está baseada em autores diversos, tais como: R. Bennett, E. Frederico, M. de Andrade, R. de Candé, K. Palhen, L. Elmerich, D. Alaleona, O. M. Carpeaux, W. Lovelock, C. Paliska, P. Scaruffi e outros os quais pesquisei.

      Na verdade, a maior parte dos autores quando descrevem a História da Música Ocidental, dissertam sobre a música da Europa, e não necessariamente dos continentes, como as Américas, por exemplo, (exceto quando se trata da História Universal da Música) então, a pesquisa para os interessados em uma “História Geral da Música”, torna-se mais ampla e exaustiva. A História é um dos ítens do Quadro Sinóptico 3 (veja: Exposição sobre as relações internas no Quadro Sinóptico 3 “A Música correlacionada às varias Ciências”).

        È importante antes observarmos em caráter introdutório os conceitos do que é o fazer histórico. Na obra “Interpretação da História” de J. Shotwell, o autor nos explica que a palavra “História”, vem do grego, e era usada pelos jonios no século VI a.c. para significar a busca de conhecimentos…, significava indagação, investigação e não narrativa…, séculos mais tarde foi substituída por um outro sentido…, assim a história começou como um ramo científico, tal qual denominado pelos atenienses como a Filosofia…, só com Aristóteles (384-322 a.c.) que a História passou a ser uma forma de literatura… O autor completa, nos explicando que: “A história em si mesma… começa no alvorecer da memória e da invenção da fala”…, mesmo a era pré-literaria teve sua história, primeiro no mito depois na saga…, esta (a saga ou a epopéia) representou um avanço sobre o mito, nela os feitos dos homens substituem os feitos dos deuses… A história verdadeira, como registro do que realmente aconteceu, amadureceu na prosa… Enfim , os conceitos do que é História e para que serve, têm desafiado muitos autores, como o historiador Marc Bloch (1886-1944) precursor da nova história  – à partir da Escola dos Analles, que dedicou parte de sua vida ao assunto. As definições do que é História, podem ser complexas, extensas, e controversas… Como sabemos no Ocidente o conceito de Tempo é linear. Isto nos leva a uma compreensão da História como se ela fosse uma linha continua, e não, processos isolados que eventualmente se entrelaçam… Além disso, História e Mitologia estão de tal forma imbricadas que uma pode ser a outra sem que percebamos, no entanto, no Ocidente, certos fatos e episódios tornaram-se registros historiográficos, “organizando” assim uma narrativa de “passagens” e “momentos” que contribuíram para construir um tal “fazer histórico”, uma espécie de linha do Tempo, etc…

     Então, os historiadores costumam indicar quatro “etapas históricas” ou “quatro processos” que parecem delineadores daquilo que chamamos de História do Ocidente dentro da qual encontramos a História da Música Ocidental:

     (1) A Grécia pré-cristã, onde deuses e semi-deuses (politeísmo) povoam a sua mitologia. A cultura grega antiga, é fundamentadora da noção de ciência e filosofia, o berço filosófico da cultura ocidental, pois, vem de lá grande parte dos conceitos que temos hoje…embora um mundo pagão aos “olhos” do que viria depois, o cristianismo…

    (2) O império Romano, que se apresenta como um mundo onde o lúdico pode ser praticado sem culpa… muito embora, socialmente estratificado…

    (3) Após o império romano surge um mundo mais abstrato, monoteísta, onde o lúdico pode ser severamente punido. Uma nova mitologia fundada na culpa, no princípio do sofrimento, na redenção, e principalmente na negação da vida física, na negação do princípio do prazer (pra usarmos um jargão freudiano), enfim, o Cristianismo e a Igreja Católica foram os principais protagonistas deste complexo mitológico, e sem dúvida “organizaram” o mundo Ocidental, o qual conhecemos hoje…

       Nota: Importante observar o peso da cultura Judaico-Cristã para a formação deste processo, ainda na idade média. Se, de um lado surgiu uma ética, que mais tarde foi denominada como “ética do paternalismo cristão” que basicamente pretendia proteger as camadas inferiores do estrato social, gerando assim uma tradição que se arrastou até aos nossos dias, porém com ambigüidades…, de outro lado a cultura cristã fez surgir grandes paradoxos na trajetória do Cristianismo…

    (4) Neste processo do medievo, surgiram dissidências deste mundo patriarcal monoteísta… Pois, a mais definitiva, pretendeu explicar as coisas, o mundo físico, os fenômenos naturais, etc, através daquilo que interpretou-se como; Ciências. Então, a razão e as ciências modernas surgem com o intuito de “iluminar” a vida humana. Aqui podemos enunciar entre outros tantos aspectos, o “peso” do cartesianismo no fazer musical do Ocidente dos últimos 300

anos…

      Nota: Caberia aqui uma longa analise sobre os aspectos deste período que contribuíram definitivamente para desenhar uma história da música no ocidente

     Outro ponto importante é lembrar o que já comentei noutra parte do texto, que a Música no Ocidente, desde a Grécia pré-cristã, era concebida como parte do Quadrivium que era parte das Sete Artes Clássicas, ou seja, o Quadrivium e o Trivium.

                             Sobre o Quadro Sinóptico 3 (As relações gerais da Música)                                                                          

       O Quadro Sinóptico 3 é o esboço, com algumas modificações, que desenhei na década de 1970, quando tentei relacionar as várias Ciências com a Música (ver no outro texto “O princípio científico e suas relações na construção do Quadro 3”). Antes de tudo, Música é ‘fazer sonoro’, isto é, Som (ver Quadro Sinóptico 1) e som é fenômeno vibratório, cujo fenômeno está em toda matéria e muito provavelmente naquilo que ainda não seja matéria(?). Esta visão correspondia às antigas culturas. Então, nesta perspectiva talvez possamos dizer que ao nos referirmos ao Som em seus aspectos mais abstratos, estamos falando de algo que poderíamos especular na ordem da Metafísica, ou da Ontologia? – Nota: sobre o Som e o Tempo faço uma abordagem mais ampla no capítulo II do livro “MÚSICA (CULTURA e SOCIEDADE)” –

      Alguns autores desenvolveram estudos na tentativa da compreensão deste tema. Uma área, entre outras é a Fisiologia do Som (ver abaixo “O princípio científico e suas relações na construção do Quadro 3”), porém, tal desenvolvimento não esgota o conhecimento das origens daquilo que chamamos de Vibração.

     A possibilidade de compreendermos o mundo e as coisas através de uma ordem científica moderna, somente surgiu nos últimos 500 anos…

     Servi-me do material disponível, isto é, desta visão moderna, em princípio, para tentar entender Música em toda a sua amplitude. Portanto, a palavra Música, aqui, encontra-se definida por uma acepção que é exclusiva do Ocidente…

     Então, fica a pergunta: O que é, e o que foi, nas muitas culturas humanas, não Ocidentais, ou mesmo do antigo Ocidente, aquilo que chamamos hoje, de Música? Para responder, teríamos que recorrer à outros “saberes”…

     Em outras culturas (e até mesmo em alguma dimensão da cultura do Ocidente) a Música possuiu (e possui) distintos significados e parece claro que estavam muito mais ligados à Magia, ao Transe, ao Sagrado…, não que no Ocidente isto não tenha acontecido, porém, à partir da Era Moderna e de sua égide, à partir do século 15, a Música que eventualmente pudesse ser entendida como Magia, passou a ser compreendida como Arte ou como Ciência,…      

     Muito embora na “música” produzida espontaneamente pelo “povo”, na “música popular em geral”, ainda se possa encontrar características de uma mística real, no entanto, o material sonoro dependerá do sistema musical oficial, em grande parte submetido à lógica da organização e da construção racionais musicais dos últimos séculos, ou seja, há vertentes musicais mesmo no Ocidente que não necessariamente estejam “penduradas” no sistema musical oficial…

     Nesta visão ‘moderna’ renascentista (‘iluminista’), que retoma antigos preceitos gregos pré-cristãos, a Música se pronuncia como Ciência desde Pitágoras (século 6 a.c. – ver Quadro Sinóptico 2), então esta noção que a entende como algo essencialmente dotado de Matemática e Física, a racionalizou de tal forma que a conduziu para um conceito de ciência-música (ou musica-ciência) se afastando naturalmente de sua pratica como Magia, porém, se há algum “mistério” no qual o Som é seu próprio portador, é algo que permanece…

     Se ao Pitagorismo é atribuído o papel de ter dado à música um caráter científico, de outro lado é também entendido por alguns como uma “seita mística” e não necessariamente como uma “ideologia científica”.

       Vale lembrar que o conjunto das Ciências modernas (dos últimos 500 anos) forma uma ideologia que tem origem na Razão fundadora de uma “nova epstimé”… Então, elas (as Ciências modernas) são portadoras de aparatos metodológicos que dão sustentação às suas próprias realizações. De modo que o mundo científico parte em princípio da premissa do ceticismo, visto que não trabalha com a mística, mas, é “crédulo” ao mesmo tempo, porque têm “crença” naquilo que descobre e inventa. Como diria A.Schopenhauer; “a ciência é apenas um sistema de crenças que só é mais persuasivo por ser o sistema dominante e vencedor“… Podemos reiterar esta linha de pensamento com o ‘filósofo da ciência’ Paul K. Feyerabend que nos lembra; “a ciência é apenas uma interpretação valida da realidade e não a única”… Não podemos nos esquecer que o “espírito científico” surgiu antes da revolução industrial, então poderíamos dizer que num certo sentido ele possuía um caráter que estava pendurado no arco de uma tradição fundada na alquimia, por exemplo, mas com a indústria, as ciências tornaram-se parceiras desta, o que redirecionou o espírito do fazer científico…

      Ao denominarmos a Música como ‘Arte’, cujo conceito é abrangente e foi desenvolvido para designar coisas que fazemos na perspectiva da criação, damos então à ela o caráter da apreciação no âmbito científico, na perspectiva da Geometria, da Simetria, da Lógica Matemática, etc, etc…

     Ao consultarmos a História da Música do Ocidente notamos facilmente que não foram poucos os racionalistas que deram contribuições definitivas para a construção de uma teoria para a Música. Poucos músicos (práticos, isto é, empíricos) puderam determinar os caminhos da organização de uma sistemática musical. O exercício da ‘música’ entre o povo, através das composições populares, embora tenha a força da evidência da sua própria tradição da pratica musical em si, não foi suficiente para evidenciar o quanto desta pratica determinou qualquer sistemática teórica da música no Ocidente.

    Aliás, a questão da própria semântica das palavras e da ordem dos conceitos das coisas, importa muito mais do que imaginamos. As palavras; Arte, Música e Ciência, poderão talvez nem existir em seus equivalentes semânticos em outros tantos idiomas (podemos supor que principalmente nos primitivos), pois, há palavras e conceitos específicos em cada língua, lembrando que grande parte das línguas já se extinguiu, e outras estão em extinção. Essas palavras poderiam existir também em idiomas diferentes com acepções diferentes. Para entendermos melhor esta questão, teríamos antes que compreender todos os idiomas e línguas, extintos ou não, escritos ou não. No Ocidente, a Filologia (estudo da interpretação da língua e dos textos) já no século XIX tentava dar conta do assunto, porém, a Lingüística (ciência surgida no começo do século 20 à partir dos estudos de F. Sausurre) é quem tentou ser mais abrangente. Como poderá dizer um lingüista em uma abordagem mais antropológica: ”O mundo é um mosaico de visões, e cada visão é produzida por uma língua”. Alguns estudiosos deste assunto acreditam que ainda há 10 mil línguas no mundo, outros acreditam em 4 ou 5 mil idiomas, há no entanto um consenso em torno de 6 mil línguas ainda existentes, porém, a estimativa é que em torno de 50% delas, se extinguirá nos próximos 100 anos. O problema é que quando uma língua morre, desaparece uma das muitas visões do mundo, morre uma cultura humana, morre uma parte da humanidade, morre um “fazer sonoro”, e mais do que isso, poderá estar morrendo um conceito de Tempo absolutamente diferenciado, talvez um conjunto de acepções que poderia redesenhar e redefinir aspectos da vida humana, contrariando assim, visões padrões impostas por um processo de expansão comercial que nas últimas décadas assumiu uma expressão eufemística; “globalização”…

     Bem, ligada à Lingüística está a Semiologia (ou Semiótica) que é mais uma entre as novas ciências do último século, que estuda os sistemas dos signos e símbolos. Pois, a Música no Ocidente se desenvolveu como Linguagem, por conseguinte é carregada de símbolos e se serve de signos para sua escrita (porque foi inventada também à partir da escrita).

     A palavra Música, tem significado específico para o Ocidente, apenas a sua essência, que é o Som, é quem será comum aos “fazeres sonoros” de outras culturas, mas, a organização dele (o Som) através dos seus discursos vibratórios e na ordem da duração, apresentará certamente percepções diferenciadas no que refere-se ao Espaço-Tempo, obviamente, partindo dos próprios Sistemas Musicais. Então, aquilo que no Ocidente chamamos de Música é uma gama de ‘fazeres sonoros’ do próprio Ocidente e não necessariamente dos ‘fazeres sonoros’ de toda a humanidade e de toda existência humana. Pois, em culturas antigas ou até mesmo atuais que estejam fora do eixo Ocidental moderno, elas podem “organizar e praticar sons” isto é “fazeres sonoros”, sem que isso possa ter o nome de Música, ou qualquer outro nome equivalente, a não ser que estejamos nos referindo ao Transe ou à Magia ou algo

no gênero.

    Então, uma verdadeira compreensão da Música, antes ainda, uma verdadeira compreensão dos fenômenos vibratórios na categoria dos sons, está para muito além do simples entendimento daquilo que chamamos de Música, isto é, como a entendemos no Ocidente, pois, ela (a Música do Ocidente) é apenas uma parte de todos os “fazeres sonoros” da humanidade.

                       Exposição sobre as relações internas no Quadro Sinóptico 3:

                                              “A Música correlacionada às Ciências diversas”

      Conforme já havia comentado, quando organizei a estrutura do Quadro 3 conectando as Ciências que pretendi correlacionar com a música, tive que considerar aspectos historicamente e epistemologicamente estabelecidos no Ocidente, isto é, de uma teoria do conhecimento, ao mesmo tempo tentando agregar informações sobre a música na perspectiva de outros saberes, de outras culturas humanas, e isto, é claro, é muito mais amplo.

     Uma acepção, a mais geral possível da música, poderia nos remeter à relatos que trariam supostamente, os mais antigos e fundamentais conhecimentos da humanidade, um resumo do saber humano, as obras de Teosofia, como o Vedas (hindu) ou a Bíblia Sagrada, etc. Tais obras “sagradas” como ponto de partida, não são apropriadas para a nossa análise, muito embora em caráter de interpretação mitológica poderíamos entender que tais narrativas, nos elucidassem aspectos de uma possível linguagem dos sons, que teria surgido antes ainda da própria linguagem falada, etc.

     Conforme já comentei nos primeiros parágrafos deste texto, sobre a obviedade da “comunicação” entre as espécies animais, esta, sempre se deu principalmente através dos Sons. Na classe dos primatas até chegarmos nos humanos, não se deu de maneira diferente. Podemos então ter como ponto de partida dos nossos estudos sobre as origens da música ou dos fazeres sonoros humanos, o Som (ver Quadro 1) como essencial. Depois podemos pensar nas amplas possibilidades dos fazeres sonoros humanos, pelo menos no último ciclo de 150 mil anos. Poderíamos partir, para fundamentarmos nossos estudos, dos achados arqueológicos, por exemplo, o dos Alpes da Escandinávia encontrado em 1995, o qual acredita-se, ser uma “flauta” primitiva cuja idade pode ter entre 50 e 80 mil anos…o mais antigo suposto instrumento musical até agora encontrado…      

     Poderíamos partir também dos antigos conceitos místicos a cerca da música ou dos fazeres sonoros humanos, desde as primeiras escrituras, etc… Podemos ainda partir do período o qual atribui-se ser a Era Axial (eixo) em relação à nossa era, e desta originar-se-ia, a Grécia antiga (pré-cristã), na qual podemos encontrar as tais Artes Clássicas (o Quadrivium e o Trivium) que nos permitiria então traçar um mapeamento da música no Ocidente desde a era pré-cristã… No Ocidente dos últimos 500 anos temos a Era Moderna que se consolidou como a Era da Razão, que certamente exerceu grande peso para o fazimento (feitura) espontâneo ou não, da música dos últimos 300 anos…

     Não temos um “inventário real” e cabal de toda a “história” das culturas humanas (até porque não sabemos ao certo quando se deu a tal “transição do primata para o humano”… acreditamos ter sido através daquilo que consideramos o processo civilizador) que nos permitisse uma análise completa de todos os comportamentos reais em relação aos procedimentos dos fazeres sonoros humanos nas suas mais diversas “acepções” e possibilidades, todos os indícios e documentações que temos não são suficientes para a realização de nossas convicções… Então, trabalhamos com o que temos, mantendo sempre a certeza da grande margem do equívoco interpretativo…

     Hoje, novas ciências surgem como derivadas de um ‘tronco principal’ que se formou principalmente entre os séculos 16 e 18 na Europa, e que tal formação epistemológica se deu principalmente a partir da Renascença no século 15, conforme já comentamos noutro texto.

    Então, tais “saberes” tem “inspiração” nos “supostos” conhecimentos da Grécia Pré-Cristã. A idade média, segundo a sua imensa historiografia, foi um período que indubitavelmente ainda preservava certas características de uma vida “orgânica”, que pouco a pouco cedeu espaço a um formato de sobrevivência “administrado” e “reinventado” pelo próprio homem “moderno”, ou seja, mais especificamente seria aquele ou aqueles que exercem posição de comando…, então, uma nova epstimé fundou a Era Moderna. Assim sendo, as Ciências consideradas modernas são aquelas as quais dispomos como o arcabouço para os nossos estudos. Deixando absolutamente claro, desde logo, conforme já acentuamos em nota noutro texto, que as Ciências num caráter geral, não representam verdades supremas sobre nada, apenas constituem um conjunto de interpretações fundamentadas em análises e metodologias criadas pelo cérebro humano, o qual não tem qualquer dispositivo que permita distinguir a alucinação da percepção, ou, o subjetivo do objetivo, conforme nos lembra o filósofo e pedagogo Edgar Morin numa de suas obras, bem como outras tantas obras de tantos outros autores ao longo dos séculos e milênios…

     Então, para distribuir as relações no Quadro Sinóptico 3, parti das classificações científicas já existentes, considerando as duas vertentes principais, Ciências Exatas e Ciências Humanas.

    É importante lembrar que esta “cultura” científica surgida no século 15 (elaborada por alguns poucos homens

categorizados como Cientistas, ou Intelectuais, ou Filósofos, ou meramente “técnicos” curiosos, estudiosos ou observadores dos fenômenos gerais) fundou-se primeiramente como Ciência Natural… A Matemática já muito antiga terá fixação com a Razão científica agora orientadora da vida humana… As Ciências Humanas aparecem mais especificamente no século 19, muito embora seu conteúdo, ou, seus princípios podem ser remontados até a Grécia antiga em Platão, Sócrates e Aristóteles, mas, muito mais tarde, só nos séculos das luzes, é que pôde ser classificada como tal…

    A tal modernidade ocidental surge, entre outras coisas, fundada na idéia de “mercado moderno” o mercado auto-regulável que é a expressão de um “sistema” denominado como “econômico”, o qual, por sua vez, dependeu antes do avanço de uma frente ideológica que surgiu como religião como cruzada (conforme nos lembra K. Polanyi em sua brilhante obra “A Grande Transformação”) ainda nos séculos 18 e 19, o positivismo, lembrando ainda que os mercados antes deste período sempre existiram e são muito antigos apenas como acessórios, ou adornos, penduricalhos da vida social, mas, jamais, controladores da vida social, cujo fato é exatamente a estampa dos nossos dias. Lembremos ainda que a “economia” como ciência não surgiu antes do final do século 18. Enfim, o peso de tudo isso surge com enorme evidencia no mundo da música que é o nosso principal foco aqui… Então, o conjunto de aspectos que acabei de mencionar resulta no principal regulador da vida humana, mais a noção da tecnologia industrial como orientadora dos “avanços” humanos, enfim, tudo isso trouxe um novo mundo, agora científico de um lado, ainda místico de outro, formando um complexo talvez sem antecedentes, envolvendo agremiados de culturas humanas…

    Conforme já acentuamos no texto de apresentação dos Quadros Sinópticos, todos esses dados narrados, somados, terão um peso considerável sobre o desenrolar não só da história da música no ocidente, mas, nos “caminhos” da

própria civilização ocidental.

    É fato que a Matemática e a Física, como Ciências Exatas e a Química como parte das Ciências Biológicas, todas são pelo menos teoricamente, muito antigas e anteriores ao próprio Ocidente.

    Segundo os Etnomatemáticos há uma estimativa de que a Matemática tenha surgido na África há 20 mil anos (ver Quadro Sinóptico 2), porém, consideram o fato, de que há uma diversidade nas concepções daquilo que chamamos de ‘matemática’, isto é, cada cultura humana antiga poderia ter a sua própria matemática, o que nos coloca uma questão interpretativa não só do que é Matemática, mas, qual o seu conteúdo, como ela pôde desenvolver-se em cada cultura?…

     Quais os tipos de necessidades reais na construção dos conhecimentos para os formatos orgânicos de sobrevivência humana segundo a posição geográfica dos habitats, número da população, forma de organização social, e tantos outros aspectos, que configuram a ‘ordem’ de uma cultura humana?

     É fato que o conhecimento formal no Ocidente, ou seja, o desenvolvimento daquilo que chamamos hoje, de Pedagogia ou Educação como orientadora da conduta humana, do pensamento, do esclarecimento, só surgiu com a iniciativa da igreja medieval em criar monastérios para a Educação formal do cristianismo. Pois, as primeiras universidades, como a de Sorbonne e outras, datam dos séculos 10, 11, etc. Pois, a criação educacional é uma criação que se servirá de formalidades teóricas do conhecimento que estarão disponíveis, isto é, o conhecimento intelectual só pôde surgir com a Filosofia, pois, esta é bem mais antiga que o próprio Ocidente, porém, como todos sabemos, foi em grande parte a Filosofia da Grécia Pré-Cristã que influenciou o desenvolvimento da Filosofia Renascentista Européia, a qual inventou uma Era da Razão que organizou todas as dimensões da cultura Ocidental, em particular, a música dos últimos cinco séculos. (Aliás, caberia também uma análise da fonte nascedoura daquilo que hoje chamamos de Filosofia, uma vez que esta é a real provedora das origens de todas as ciências modernas…).

    Muito embora na música a “cultura científica” tenha penetrado, porém, não com a mesma eficácia que em outros setores como o da organização social e política, por exemplo. Porque, apesar das ciências direta ou indiretamente, através de seus agentes históricos, terem organizado o Sistema Musical moderno, porém, a música como portadora do Som carrega a sua própria mística, o seu próprio mistério, conforme já elucidei. Portanto, a música como expressão de uma cultura, consegue um grau de autonomia por vezes não comum à outros setores, muito embora, repito, a música Ocidental tenha sido organizada em seus aspectos teóricos com grande respaldo científico. Conforme já esclareci, não sabemos a medida exata em que o tal cientificismo determinou o “fazer musical” no ocidente, principalmente no âmbito daquilo que chamamos de música “popular”, isto é, “folclórica”, pois, houve claramente uma “forte” influência no setor da música, a qual os documentos estão disponíveis, no entanto, na música de tradição oral, esta visão não é tão clara. A seguir tento esclarecer melhor as relações que empreendi no Quadro Sinóptico 3 para entender música em toda a sua abrangência.

                                               “O princípio científico e suas relações

                                            na construção do QUADRO SINÓPTICO 3”

       Conforme eu já havia acentuado em parágrafo anterior, o ponto de partida do nosso estudo é o SOM, a essência de qualquer “fazer sonoro”, ou seja, a essência da música. O Som é freqüência vibratória, parte de um processo que ocorre em planos diferentes.

     Segundo as teorias correntes, podemos entender o universo como um sinônimo de tudo aquilo que é, ou possui, vibração, e que atende a uma ordem de freqüência. Então, num alto grau de aceleração vibratória o que se encontra é a “matéria escura”, escalando descendentemente até transforma-se em “Luz”, sombras luminosas geram “Cor”, e as cores transformam-se em “sons”, num espectro frequencial do mais agudo até ao mais grave (este tema é melhor abordado na obra “MÚSICA – CULTURA E SOCIEDADE – www.shopguitarmusic.com ).

     Os sons percebidos pelos ouvidos humanos atendem a uma gama que varia entre 16 e 20.000 hz (freqüências sonoras). Abaixo de 16 hz, há freqüências subsônicas inaudíveis. As freqüências muito altas podem flutuar em milhões de ciclos por segundo e podem ser percebidas sob a forma de calor na pele, por exemplo. Segundo algumas teorias, o fenômeno vibratório pode ser entendido como provedor de toda a matéria existente no universo e isso se relaciona com a QUIMICA (dos elementos) na medida em que a matéria é antes química. O conceito de QUIMICA surgiu no Ocidente no século 7. Na idade média existia a ALQUIMIA que era a pratica da transmutação dos metais. Este assunto está ligado aos fenômenos gerais da relação freqüência vibratória e matéria no

âmbito do fenômeno da interação vibração /substância (relações Físico-Químicos).

      O Som na concepção do Ocidente possui 4 propriedades: Duração, Altura, Timbre, Intensidade. A Duração se relaciona com uma primeira dimensão da música que é o Tempo (musical). Esta primeira dimensão implica no tema do Espaço-Tempo e no Tempo (como uma abstração), cujos temas são clássicos na Filosofia. E ele se relaciona diretamente com a própria questão da existência de todas as coisas. Em princípio podemos dizer que o Tempo é abstrato, ele não existe a não ser a partir de nossa consciência, porém, a música acontece no Tempo. Então, o organizamos para que ele possa existir, pois, ele está diretamente relacionado com o Espaço, então o Espaço-Tempo é um elemento subjetivo-objetivo fundamental na formação de uma cultura humana.

     Ao mesmo tempo, a especulação da origem da existência de todas as coisas implica diretamente nas questões da ONTOLOGIA, talvez o mais antigo estudo na tentativa de compreender as origens do cosmos e de todas as coisas, a Ontologia precede, aquilo que se passou a tratar como Metafísica (Aristóteles 384-322 a.c.) e na

idade média, a Teologia. Podemos perceber logo em nossa primeira abordagem, o quanto a música e certas questões que tomaram conta da Filosofia durante séculos (mesmo ainda antes do ocidente), são complexas e estão absolutamente entrelaçadas.

     No Ocidente, nos primórdios da “ideologia” Cristã (inicio do Cristianismo), Sto. Agostinho (ver Quadro 2) foi um dos primeiros à preocupar-se com a questão do Tempo. Ele escreveu alguns textos a respeito, em particular sobre as questões da música. É fato que bem antes de Agostinho, na Grécia Pré-Cristã muitos filósofos já haviam se preocupado com as questões do Tempo. A Altura (bem como a Duração) é uma propriedade diretamente relacionada com a Matemática e a Física, portanto, conforme já esclareci, na ordem das tais Ciências Exatas, abordamos a Matemática e a Física como ciências que foram usadas para organizar a música desde os conceitos dos gregos

antigos.

     A Matemática na música, nos serve para entender melhor as medidas das propriedades dos sons, assim sendo, nos dá a razão do Ritmo (duração do som), da altura do Som, de sua Intensidade, de seu Timbre, e nos explica quais as relações existentes entre os graus de uma Escala Musical e das combinações Harmônicas (ver livro: MÙSICA (CULTURA E SOCIEDADE) –

       NOTA: [Coloco a mesma questão que a anterior, isto é, ao longo da “história do homem”, ter surgido a ‘criação’ ou ‘invenção’ de uma ciência que tentasse organizar e medir as coisas, pôde ela obviamente, assumir várias acepções. É fato que se a Matemática foi parte de um

agregado místico no passado, após a Renascença (século 15) ela tornou-se a pilastra principal da racionalidade ocidental e contribuiu para

organizar um mundo administrativo onde tudo pode ser organizado, previsto, certificado, com exatidão, etc., mas, o que mais nos chama atenção é algo que o filósofo francês Michel Foucault com muita propriedade observa em sua obra ‘Arqueologia do Saber’ (Ed. Vozes) quando questiona: “…como um conceito – carregado ainda de metáforas ou de conteúdos imaginários – se purificou e pôde assumir estatuto e função de conceito científico… como uma região de experiência já demarcada, já parcialmente articulada, mas, ainda atravessada por utilizações praticas imediatas ou  valorizações efetivas, pôde-se constituir em um domínio científico…como uma ciência se estabeleceu acima e contra um nível pré-científico que ao mesmo tempo a preparava e resistia a seu avanço….como pôde transpor aos obstáculos e as limitações que ainda se opunham à ela…” – A Matemática como sabemos, foi a base científica para as demais ciências modernas….

      Na Física encontramos o estudo da Acústica que tenta nos explicar a produção dos Sons, suas propriedades e os fenômenos a que estão sujeitos.

     NOTA: [Seria importante refletir sobre as origens de um conceito para a criação de uma ciência como a Física, pois, é dentro da Filosofia da Ciência, uma área (basicamente “interdisciplinar”) surgida da Filosofia, que exerce um papel basicamente de “observadora crítica” das ciências, cujos estudos surgiram do próprio mundo filosófico a partir das posições criticas diversas… A Filosofia da Ciência tenta entender os processos da criação e formação das metodologias científicas ao longo de seus percursos, tenta compreender e analisar as epistemologias… Assim a Física como estatuto científico apresenta aspectos não definitivos e altamente discutíveis, à saber].

     A Estética (ciência do belo) pode ser compreendida ainda no âmbito das Ciências Exatas. Pois, ela nos indica a lógica e o equilíbrio de proporções que deve existir em uma obra musical. È fato que o próprio conceito de Estética é relativo a cada cultura humana, com a possibilidade de se quer existir tal conceito entre determinadas culturas. Penso que o conceito da formação de uma ordem Estética das coisas em geral, é ainda mais subjetivo e particular que as demais ciências. Como, nas Artes Plásticas, na Arquitetura, etc, a saber…

     A Organologia que estuda as definições e classificações de todos os instrumentos musicais ou sonoros envolve mais de uma disciplina, como: Física, Matemática, História, Mitologia, etc.

    A Anatomia e a Fisiologia estudam a constituição e o funcionamento dos aparelhos auditivo e da fonação, os quais nos facultam a percepção e a produção dos sons. Estas ciências podem ser interpretadas na ordem das Ciências Biológicas porque estudam elementos de nossa biologia que nos permitem o elo com os sons externos ao nosso corpo, e, portanto, o “fabrico” da música.

     A Psicologia nos faz compreender o efeito da música sobre o “espírito” humano e estuda o papel da inteligência, da imaginação, da memória e da sensibilidade do intérprete, e do ouvinte na percepção de uma obra musical.

      É importante colocar que alguns autores consideram que a Psicologia esteve escondida dentro da Filosofia durante milênios e ela só surgiu como Ciência no Ocidente em fins do século 19. Mais recentemente surgiu a Psicofísica da música que estuda as relações das propriedades físicas e objetivas dos sons associadas às sensações subjetivas da música…, é um estudo interdisciplinar que envolve no mínimo duas disciplinas; a Física e

a Psicologia.

      A Neurociência que é uma área de estudo que tenta compreender o cérebro humano em todas as suas potencialidades, uma disciplina que pode dar muitas contribuições para o estudo geral da música, tanto no âmbito dos estudos cognitivos (do ensino-aprendizagem), bem como, na área da compreensão do desenvolvimento do cérebro musical, isto é, em que medida a pratica musical altera não só a percepção, como também, contribui para o desenvolvimento daquilo que tratamos como “inteligência”.

     A Inteligência Musical é um tipo de abordagem mais especifica. Surge na literatura dos modernos estudos nas áreas da pedagogia, da psicologia e da “educação”, mais especificamente na teoria das inteligências múltiplas proposta por H. Gardner (professor de pós-graduação na Universidade de Harvard). Entre outras coisas Gardner, coloca que os conceitos de inteligência são variáveis de cultura para cultura, época para época…, enfim, podemos entender que a essência de tal conceito é na verdade abstrata… As observações nos estudos mais modernos das áreas da mente e do cérebro podem contrariar muitos axiomas e estereótipos consolidados popularmente… À seguir três observações se fazem necessárias:

      OBS (1): É importante observarmos que o conhecimento cientifico em sua origem (conforme nos explica A. Moles em sua obra “A Criação Cientifica”) não se desprendia da Filosofia, ambos estavam compreendidos no termo “Filosofia Natural”…, no entanto, o processo histórico que conduziu ao Renascimento do século 15 na Europa, provocou divergência acentuada entre ciência e filosofia… Na verdade, foram separadas, pois, as ciências adquiriram um caráter técnico, enquanto a missão da Filosofia, como diria G. W. Hegel, esta situada na falta de conhecimentos e de estudos, e esta parece começar onde os outros findam… É importante notar que os setores das ciências podem se distinguir exatamente de acordo com o campo de estudo, e mais, o operacionalismo técnico pode ser próprio das ciências, mas, não da Filosofia, porque esta é a escola do pensamento, que é o seu principal exercício, pois, divaga, questiona, indaga…, enquanto as ciências tendem a demonstrar resultados pragmáticos. Sabemos que, as Ciências foram cooptadas pela Indústria, a mesma que surgiu no século 18 como exploradora da mão de obra humana tendo como objetivo, a produção em série em larga escala para as massas, tendo como resultado o fim lucrativo. É fato que temos diversos setores das Ciências, alguns exclusivamente dedicados à pesquisa, outros dedicados à produção imediata da de medicamentos e produtos, tal como os gadgets, etc, ambos deságuam na produção Industrial através das patentes adquiridas pelas suas invenções e “descobertas”. Nos últimos séculos, surgiu algo inédito na história do próprio Ocidente que podemos identificá-lo como o desenvolvimento da “Corporação”, isto é, algo que no inicio era tímido, simples e incipiente, cresceu assustadoramente entre os séculos 19 e 20, com alto grau de autonomia, tomando conta da vida humana, exatamente à partir da tal Revolução Industrial do século 18. Ela (a Corporação), em particular, à partir da Inglaterra e a seguir, dos EUA, tomou todos os espaços da atividade humana e alastrou-se por todos os campos do “saber”, inclusive o científico. Neste sentido o cientista passou a ser um “funcionário técnico” da grande Corporação, ainda que inconscientemente… Daí a grande diferença entre filósofo e cientista, porém, até mesmo a Filosofia foi solapada pela “modernidade instituída pela Corporação”, adotando assim um caráter técnico. Então, no mundo da filosofia podemos também encontrar teóricos técnicos cientificistas. Enfim, certas disciplinas das “Ciências Humanas”, em suas origens, serviram-se irremediavelmente da Filosofia, nasceram dentro dela, porém, em seus desdobramentos, tornaram-se cientificistas… Quando nos referimos a um

Filósofo, ou Sociólogo, ou Antropólogo, ou mesmo Psicólogo, atribuindo a ele, a categoria de Cientista Social, estamos o colocando em uma posição ambígua, porque alguns, de fato podem ser técnicos, mas, outros não… tal identificação é separada por uma linha tênue… Diante destas questões torna-se mais relevante o fato de estarmos atentos aos processos históricos da música de acordo com seus períodos e contextos… As análises devem considerar imprescindivelmente os aspectos de contundência histórica que fatalmente alteraram a sociedade, a vida social em geral…

      OBS (2): Com efeito, já comentamos que as Ciências Humanas surgiram “oficialmente”, na ordem da “história” da epistemologia cientifica, que poderíamos situar depois obviamente das Ciências Exatas e das Ciências Biológicas. Observamos, então, a importância dos estudos da História da Música, da Psicologia, da Sociologia, antes ainda e primordialmente da Antropologia, para uma compreensão mais ampla daquilo que chamamos de música, portanto, a História estuda o processo do “desenvolvimento” da música através dos tempos, tentando localizar sua origem, até ao presente, e nos esclarece sobre a influência exercida pela música na “evolução” humana. E aqui posso citar a Biomusicologia surgida ainda na década de 1990 (portanto, bem depois da primeira concepção deste Mapa) como a mais recente e audaciosa tentativa investigadora das origens da música.

       OBS (3): Conforme já acentuamos no texto de apresentação dos Quadros Sinópticos, a História depende de metodologias como qualquer outra ciência,contudo, já comentamos, que esta nasceu da saga, da epopéia, ou seja, da Mitologia cujo estudo nos revela o quanto o homem éseu próprio fabricante, isto é, o homem é um produtor de mitos… Jácomentamos no outro texto, que a concepção de linha contínua evolutiva quefoi adotada por setores predominantes do historicismo antigo, deixou para o historiador umacompreensão com recorte horizontal, o que, a coloca em cheque em relação aorecorte vertical trabalhado pela Etnologia (a antropologia social), por exemplo,que estuda o homem contemporâneo em sua vida cotidiana e não o homem dopassado como se propõem a História (ou mesmo a Arqueologia que tambémpertence a um setor da Antropologia – ver adiante). A visão horizontal acabapor forjar a própria complexidade da análise dos acontecimentos, os quais nemsempre são lineares e nem sempre pertencem à mesma natureza, podem serprocessos isolados que eventualmente se entrelaçam, conforme já acentueianteriormente (como diria Nietzsche: “não existem fatos e sim interpretações”). É um grande desafio para qualquer historiador conceber sem anacronismo(enxergar o passado com a visão do presente) uma História da Música noOcidente cuja análise seja imparcial e tente conceber os acontecimentos sem orisco da deficiência documental, da interpretação equivocada e sem cargaideológica, de uma visão fictícia dos fatos. Afastamos também, entender asciências como doutrinas. Em outro sentido não estamos aqui para defendermosuma ciência, para isentar outra qualquer, ou acusar qualquer ciência de suaeventual precariedade, o fato é que as metodologias científicas adotadas pelasciências em geral formam um complexo e podem apresentar fragilidades emsuas concepções próprias… Acreditamos não existir um sistema metodológicoperfeito… as ciências são meros campos de estudos… e menos ainda estamosaqui, para deixar a entender, que por ventura os sistemas religiosos, que são

fundamentalmente dogmáticos, possam nos trazer qualquer convicção sobre qualquer coisa, mesmo no campo da Ontologia – ver o inicio deste texto]

      A Sociologia como estudo da constituição e da “evolução” das sociedades humanas, nos elucida sobre a existência dos gêneros diversos da música, privativos de cada povo, e nos explica a influência exercida pela evolução humana sobre a arte musical. Acontece que a Sociologia oficialmente só surgiu no século 19, com E. Durkheim e M. Weber, etc, embora já se pudesse encontrar suas preliminares em iluministas como J. J Rousseau, ou mesmo com os enciclopedistas como Diderot e D’Alambert entre outros. Já no século 20, dentro da própria Sociologia, temos um setor chamado Sociologia da música, que ao pesquisá-la notamos que tivemos poucos contribuidores. Um deles foi o filósofo alemão T. Adorno da escola de Frankfurt. E, além disso, a Sociologia é um setor, embora independente, que pertence a uma ciência que tem uma abordagem bem mais ampla e complexa, que é a Antropologia, esta se coloca como o mais amplo estudo do homem, pois, é o estudo geral do Homem em todos os aspectos de sua vida, um estudo das sociedades humanas tão amplo que envolve várias áreas, obviamente que podem ser distintas, isto é, estudadas separadamente… É dentro da Antropologia que encontramos uma ciência importantíssima para a compreensão da música que é a Etnomusicologia, que estuda basicamente os “fazeres sonoros” dos povos com características mais primitivas, se diferenciando da Musicologia, que é mais antiga e cujo objetivo de estudo está mais voltado para o da música do Ocidente, das sociedades históricas mais modernas.

       No final do século 20, na década de 1990, Nills Wallin, S. Brown e B. Merker, à partir de uma série de workshops e palestras,organizaram uma obra que consolidou uma nova ciência, a Biomusicologia que estuda as “origens da música” através de três campos de trabalho, a Musicologia Comparativa que tenta entender as funções, o uso, e o comportamento da música, bem como, os sistemas musicais universais…, a Musicologia Evolucionária que se dedica à compreensão das origens da música, as “pressões na seleção evolutiva” da música…, e a Neuromusicologia que dedica-se à entender as áreas da inteligência, dos mecanismos neurais e cognitivos no processamento musical, e a ontogênese da capacidade e habilidade musicais… Em princípio, a plataforma básica para que possamos alçar vôo, para uma tentativa de compreendermos as questões da música em geral, está aqui lançada, porém, teremos que acessar outros setores do conhecimento para completar a nossa jornada de assuntos e pautas abordadas.

       Todos os temas aqui abordados são melhor explanados no livro: MÚSICA (CULTURA E SOCIEDADE)

                                        Questões “Históricas” mais recentes que

                                                  influenciaram os caminhos da MÚSICA:

            Já comentei antes que foi de absoluta importância nos últimos 200 anos para a música do Ocidente os surgimentos; da Revolução Industrial (na Europa, em particular na Inglaterra), da Ideologia de uma prática econômica que resultou na criação da Ciência Econômica moderna através de um credo com suporte cientifico, a saber… Já acentuamos anteriormente que, as associações das Ciências modernas inventando uma cultura da Tecnologia moderna aliada à Indústria na perspectiva de uma nova Ideologia de sobrevivência humana, tiveram como base a invenção desta nova ciência surgida ainda no século 18, a Economia. Neste curso um modelo padronizado de um novo formato de sobrevivência humana, alterando conceitos, idéias, e a própria forma orgânica de sobrevivência, surgiu… No âmbito da música, este novo modelo fez surgir também um tipo de relação sócio-musical absolutamente inédita na perspectiva do trato com a própria música. Neste sentido a História da Música do século 20 foi a História da Indústria Fonográfica que era um setor totalmente importante da Indústria

da Música e da Cultura, que na verdade, todos são ao mesmo tempo, setores da grande e absoluta Indústria do Entretenimento, cuja indústria contou fundamentalmente com os chamados Meios de Comunicação(mass media)  para a sua “organização”, sendo estes os tentáculos da mesma, por isso, não só toda a música do século 20, bem como, o pensamento e o comportamento dos cidadãos comuns de todo o Ocidente até onde esta Indústria conseguiu (e ainda consegue) atingir, determinou novos paradigmas, com a sua “continuidade” em suas concepções e acepções no estendendo-se para o século 21, já com máxima potência a nível irreversível.  Porém, o “avanço” das

tecnologias cientificas modernas reorganizam por sua vez a própria indústria do entretenimento, quem sabe mudando o seu caráter em níveis inimagináveis até o momento…, ou seja, o que será o Entretenimento no futuro? As novas ciências que prometem a imortalidade prometem então, pela mesma razão indireta, o controle absoluto da vida em geral, um controle aperfeiçoado e sofisticado da principal condição social humana; a fruição, que no

âmbito do “entretenimento tecnologicamente avançado”, praticamente não poderia existir, e neste sentido, como ficaria a música?… Concluindo o tema da História ‘recente’, até finais do século 19, não havia aparelhos reprodutores de música ou mesmo gravadores, pois, T. A. Edson inventou o fonógrafo em 1877. O Cinema que foi um dos grandes divulgadores da música, só surgiu em 1895, o Rádio que foi por excelência o principal veículo de

difusão da música, surgiu oficialmente em 1918, e a Televisão que copiou o formato do Rádio com o do Cinema mantendo a forma ‘monologa’ autoritária (porque não permite a intervenção direta do espectador, somente o Teatro possue este dote) de ambos, só surgiu em 1950, e que foi o principal difusor da música, na segunda metade do século

20 e começo do 21. Sem estes meios teria sido impossível divulgar a distância, qualquer tipo de música, e, por conseguinte deflagrar nomes artísticos, difundir propaganda em larga escala de qualquer produto, sem indução, em um processo simultâneo de captura de ouvintes e de potenciais consumidores dos produtos musicais inventados pela indústria, isto é, a música em toda a História humana que se tenha notícia, nunca foi vendida ou comercializada

com tais características de produto de consumo… Por entendimento dos historiadores, o século 20 foi caracterizado como o século da ‘cultura de massas’, conforme já acentuamos a expressão preferida por alguns autores é a de ‘Indústria de Cultura’, em particular, T. Adorno (1903-1969) um dos principais mentores da escola filosófica de Frankfurt, já citado. Na visão de Adorno, a ‘indústria cultural’ é um termo encontrado (em contra posição ao termo ‘cultura de massa’) para explicar que, a indústria se apropria dos meios naturais da cultura transformando-a.. processo este, conforme elucidamos acima, de uma construção ideológica de um “mundo livre” através de uma lógica estruturada pela Economia, a qual fundou na melhor das hipóteses uma ordem burocrática administrativa, que é a ordem mundial moderna. Então, reiteramos que, toda a modernidade que inclui as Ciências, as Tecnologias, a Indústria, as novas concepções de mundo e da vida em geral são invenções ou criações fundamentalmente desenvolvidas nos últimos séculos, tendo como base; a Europa (principalmente a Inglaterra como propulsora do pensamento econômico moderno) e os EUA (como base administrativa desta nova ideologia que alastrou-se e ainda

continua a alastrar-se para o mundo todo)… Então, depois desta longa exposição, ao considerarmos o nosso ângulo de análise, se faria pertinente uma abordagem da História Econômica dos últimos 250 anos, cuja história se encontrasse dentro da História Geral, como um campo onde grande parte da música que entendemos como tal, aconteceu…no entanto, tal análise torna-se um estudo à parte…